Minicurso em Literaturas Africanas de Língua Portuguesa

BOAVENTURA CARDOSO: A ANGOLANIDADE EM PROCESSO

Ementa: Assim como outros autores de sua geração, Boaventura Cardoso tem seus textos marcados por um constante esforço de construção de formas possíveis da identidade angolana. Este processo não se encontra apenas na literatura de Angola: é um caminho comum por que passam as literaturas de países recentemente libertos do regime colonialista, mas que ainda precisam se libertar das relações subjetivas da colonialidade, nas quais a presença de valores euro-centrados ainda é muito forte. Através da leitura de Dizanga dia muenhu (contos, 1977); A morte do velho Kipacaça (contos, 1987); e Maio, mês de Maria (romance, 1997), três obras pontuais do escritor angolano Boaventura Cardoso, pretende-se demonstrar como o autor constrói seus enredos a partir de uma constante negociação de sentidos entre duas faces distintas da realidade e suas tradições – o animismo bantu e a racionalidade ocidental –, pelas quais tenta representar sua identidade angolana, com isso propondo um exercício de “desobediência epistêmica”.

Ministrante: Rafael Cesar (mestrando em Literaturas Africanas de Língua Portuguesa / UFF)
Datas: 13, 18, 20, 25 e 27 de outubro de 2010, das 14h às 17h
Local: Faculdade de Letras da UFF (Campus Gragoatá) – bloco C, sala 403
Carga horária: 15 horas

Inscrições: kipacaca@gmail.com
Leitura prévia: Dizanga dia muenhu (disponível na pasta do minicurso na copiadora do bloco B)

Imagem: Mayembe (João Mabuaka); s/ título, escultura em madeira, 80x35x80 cm.

Em tempos de eleição…

Prezad@s leitor@s deste blog abandonado, de notas e batidas ultimamente silenciadas,

Após 30 anos de ativismo pelos direitos das prostitutas, Gabriela Leite, criadora da grife Daspu, decidiu levar sua batalha para o Congresso Nacional. O tempo de militância, que teve desdobramentos fundamentais na área da saúde (com o combate à Aids, através de distribuição de preservativos, materiais educativos e apoio à quebra de patentes de medicamentos contra o vírus HIV); na área de direitos humanos; direitos do trabalho, direitos sexuais e reprodutivos; bem como a luta pela igualdade de gênero, trouxe conquistas não apenas para as prostitutas, mas para toda a população. Vamos ajudar essa história a continuar?

No dia 3 de outubro, vote no número 4301 para eleger Gabriela Leite a deputada federal!

E, enquanto não chega o grande dia, vamos demonstrar nosso apoio à candidata em sua festa de lançamento!
convite gabi

Quando: sábado agora, dia 07/08, a partir das 20h.
Onde: no Baixo Santa do Alto Glória, Rua Hermenegildo de Barros, 73.
Contato: gabrielaleite2010@gmail.com

Gabriela Leite, uma puta deputada PV-RJ

Um grande abraço a todos(as),
Rafael Cesar

Dica de utilidade pública

Car@ leit@r,

Se um dia você decidir fazer um mestrado, tenha o cuidado de certificar-se, primeiramente, que o segundo ano do programa, justamente aquele em que você tem que sentar para escrever, não seja um ano de Copa do Mundo.

É como se você tivesse dois baldes na sua frente, e, nesse clima de futebol, não tem jeito: um dos dois você vai ter que chutar no ângulo.

Adivinha qual dos dois baldes está voando nesse momento…

A história negra do tango: uma metonímia

Queria eu, me@ car@ leit@r, te contar a história negra do tango. São mils as histórias de que as culturas e pessoas negras participaram, protagonizaram, e foram escondidas. Eu estou tentando desvendar um pouco disso na literatura e, embora eu tenha com a música uma curiosidade permanente e muito viva, não creio que um dia eu consiga ter uma compreensão maior sobre o assunto. Por ora, então, não te contarei a história negra do tango. Mas, veja, se isso é mau para suncê, não é para mim: das coisas que não sabemos, temos com elas um prazer mais inocente, que costuma ser também mais intenso. Este deve ser um dos motivos pelos quais, apesar de ter passado minha adolescência ouvindo música nos últimos volumes e me arrepiando todos os dias com o que de melhor eu descobria, eu jamais aprendi a tocar qualquer instrumento (tentei, é verdade, mas vamos pular essa parte) e, aos dezessete anos, decidi que queria fazer faculdade de Letras. Àquela época, creio que eu não lia nem dez romances por ano. Continuo com esse prazer autêntico quando ouço música, embora eu deva confessar que fui descobrindo outros prazeres com a literatura (mas bem diferentes).

Não, não é sobre nada disso que quero falar. Mas é que, um dia, estava eu numa mesa de bar com amigos, quando começou uma das nossas inúmeras discussões sobre música. Não lembro bem o que era, mas o tango entrou na jogada. Devíamos está naqueles papos de jovens que se acham eruditos, provavelmente falando de Piazzolla. No meio do engodo, eu soltei:

… e vocês sabem, o tango é uma música de origem negra…

Às vezes me pego com minha inocência. Só porque eu estava cercado de amigos “cultos”, sensíveis com as coisas do mundo, imaginei que isso fosse ser recebido com atenção pelos que desconheciam a informação. Qual nada!

Aaaaaaah, não fode, né, Cesar!!

Risadas daquelas bem agressivas e de deboche. Levantei a voz, argumentei que, como boa parte dos ritmos das Américas e Caribe, a etimologia do próprio nome tango é bantu, caso semelhante a samba, jongo, candombe, milonga, batuque, e assim por diante.

Ahahahaha, sei, sei…

Fiquei puto e calei. Tem certas coisas com as quais é mesmo difícil lidar. Há muitos conceitos relacionados ao campo semântico da negritude que estão absolutamente cristalizados. Muitos podem ser verdadeiros, mas certamente a maioria é mentirosa. E, independente de ser verdade ou mentira, o caso é que cristalizar é uma forma de silenciar, de tirar a dinâmica, as possibilidades de reconstrução, de releitura, em suma, de eliminar aquilo enquanto tema vivo, de valor e do qual as mentes se devem ocupar. A meu ver, é essa também uma das explicações para as reações agressivas que recebemos quando trazemos uma informação desse tipo. É chocante demais, e, no fundo, dá muito medo atribuir tanto valor à cultura negra, porque é essa inversão de valores que, então, vai fazer com que as culturas negras folclorizadas atravessem a rígida fronteira dos arcos da Lapa e Santa Teresa, e passem a mais cantos da cidade e do país como culturas que não dependem de espaços típicos, e junto com isso venha o dinheiro e o poder para a mão d@s que, com sua memória cultural, sustentam a continuação de tais manifestações – mas que raramente ganham algo com isso.

Putz, o Rafael tá pirando de novo, devem estar pensando os mesmos amigos que tanto riram.

Não sou menos amigo das pessoas que riram de mim. Eu também certamente já fiz isso com alguém, por razões outras e diversas. Não adianta ficar procurando pessoas culpadas por essa difícil situação. Acredito, sim, que é preciso ser duro, incisivo, que devemos falar, nos posicionar, brigar quando preciso. Mas não ficar acreditando que o outro tem culpa, que é o responsável. Esse tipo de coisa, para mim, transcende as pessoas. Colocar racistas na cadeia é muito importante, mas nunca vai resolver o problema do racismo, que é algo maior. O indivíduo não vai mais me chamar de macaco, mas vai continuar me preterindo para o emprego que vou disputar na empresa dele; da mesma forma que vai continuar gargalhando quando eu disser que o tango, essa música tão nobre, tem origem naqueles seres dignos de não mais do que uma senzala ou, modernamente, de um quartinho de empregada.

Mas, realmente, é muito irritante ver certas coisas que são tão óbvias para quem sofre o racismo serem relegadas ao nível do deboche por pessoas que sequer pensam sobre isso – e que, ainda assim, tornam-se a voz legitimada para falar de racismo ou cultura negra quando querem, caso dos tantos professores doutores das universidades e midiáticos que nunca tiveram produção sobre o tema, nenhum tipo de reflexão mais aprofundada, mas que, ao imprimirem livros com seus nomes e darem entrevistas na televisão com base em seus compadrios, têm suas opiniões automaticamente alçadas ao nível da verdade. Aquela mesa de bar, de certa forma, foi um micro-universo disso.

Dou um exemplo sobre o qual eu acabei não escrevendo mais extensamente, embora merecesse, e muito. Lembram do Andrade, ex-jogador e ex-técnico do Mengão? O cara era o eterno tapa-buracos de técnicos do time. Sempre quebrava os galhos quando ficava naquela entressafra de técnicos, e nunca davam chance pra ele. Vinham as piores tralhas para treinar o time, pelos salários mais altos, e nunca que davam uma chance pro Andrade. O Cuca (puta que o pariu, o CUCA) não arrumava nada com a gente (só Estadual, mas Estadual não conta, porque o Mengão ganha até sem técnico) e voltava pra lá, com seus olhos azulzíssimos, signo de sabedoria e conhecimento, pra não arrumar nada de novo. (Ele chegou a colocar o Andrade pra formar barreira num dia de treinamento, sabia disso? Você acha que ele faria isso com o Zico? Você acha que isso é coisa que se faça com um jogador que está no panteão do clube, que levou três títulos brasileiros, uma Libertadores e um Mundial? Se o ex-jogador for negro, pelo visto, pode fazer.) A gente que está ligado nessa parada toda, porque pensa a questão sempre – diferente, repito, dos professores doutores e midiáticos que não têm qualquer estrada no assunto, e começaram a falar sobre ele porque virou tema da ordem do dia -, já tinha relacionado essa dificuldade de firmar o Andrade como técnico com o fato de que o Brasil não tem técnicos negros, apesar de quase todos os técnicos serem ex-jogadores de futebol, dos quais pelo menos a metade devem ser negros; e relacionamos também com a nossa percepção de que o samba é tido como bagunça e que a sinfonia é séria. Não entendeu essa última parte? Lembra da metonímia? Negro é ação, é trabalho, é músculo, é folclore. E branco é ordem, é razão, é pensamento, é seriedade. Por isso não se pode colocar negros no comando de times (em comando de nada, na verdade), e por isso o Andrade não podia ser técnico do Mengão.

Isso era algo muito claro para mim e para tantos que estão atentos à questão. E, confesso, eu nunca tinha falado isso fora do circuito de pessoas em que eu confiava demais, e que confiavam na minha percepção (independente de serem negras, entenda-se). E por que eu nunca tinha dito? Por causa da experiência do dia em que falei do tango (como metonímina, uma vez mais, para tantas outras experiências do tipo). Se eu falasse, já conhecia a reação típica.

Porra, que preto mala! Essa crioulada tem uma mania de perseguição sem fim!!

Mas o problema maior é que, passada essa história toda, ainda assim a postura não muda. O Rogério Lourenço, atual técnico do Flamengo, foi efetivado depois da primeira experiência como interino (em menos de vinte dias), sem ter nem de longe a estrada que o Andrade tinha (tanto dentro como fora do Flamengo). O cara foi efetivado, aliás, no meio de uma LIBERTADORES. Vou repetir: o Andrade foi demitido e o cara foi colocado no lugar dele no meio de uma LI-BER-TA-DO-RES, o campeonato mais importante que um clube brasileiro pode disputar. Se eu disser que uma situação dessas muito dificilmente seria confiada ao Rogério Lourenço se ele fosse um homem negro, sabe o que vão dizer?

(ctrl c+ ctrl v) –> Porra, que preto mala! Essa crioulada tem uma mania de perseguição sem fim!!

Assim é. E da mesma forma que somos rotulados de paranoicos, também somos ironizados quando trazemos informações que fazem desconfiar do senso comum de que o Ocidente fez toda a história das Américas e do mundo, restando aos negros não mais do que um punhado de folclores com os quais todos nos divertimos nos momentos de descontração.

Tá bom, seu preto mala! Mas o que isso tem a ver com a história negra do tango?

Nada tão específico. Era só uma metonímia para a questão toda. É tudo metonímia, você ainda não entendeu isso?

Ah, e é claro, assim como eu queria muito ter esfregado na cara de tanta gente quando saiu na imprensa integrantes do Flamengo dizendo que o Andrade nunca tinha sido colocado como técnico porque era negro, e que isso já tinha sido dito explicitamente dentro do clube – o que é óbvio para quem passa pela questão e pensa sobre ela -, eu também queria esfregar esta notícia na cara dos meus amiguinhos. Não por vingança, mas para que eles aprendam a ouvir um pouquinho.

Ah, confessa, Rafael!

Tá, confesso: um pouco por vingança, também. Eu sou humano, pô!

E será que, assim como no caso Andrade, meus amiguinhos (“meus amiguinhos” como metonímia, gente, entendam bem!) também vão manter aquela postura?

Pedro Figari

Pedro Figari pinta uma cena de candombe, ritmo afro-uruguaio: não é tango, mas serve como metonímia.

Chimamanda Adichie e os perigos de uma história única

parte 1

parte 2

Chimamanda Ngozi Adichie é uma premiada escritora nigeriana.

(A fala está disponível em texto na negroteca, na barra à direita.)

E nos 122 anos da Abolição…

Querid@s leitor@s,

Há tempos não dou as caras por aqui. A coisa anda complicada com o mestrado e, ainda por cima, eu tenho um grande defeito chamado preguiça, que às vezes atravanca não apenas o blog, mas a minha vida como um todo. Tenho pilhas de posts rascunhados, pensados e não sei mais o quê, mas escritos, como vocês podem ver (ou melhor, não podem ver) – nada. Vou tentar retomar essa carroça já nos próximos dias, agora que as coisas estão um pouco mais calmas do lado de cá.

E vamos voltando com calma, no sapatinho, que nem atleta depois de muito tempo sem jogar. Tem que ganhar a forma física de novo, e principalmente ritmo de jogo, que é o que está me faltando. Não vou escrever nada hoje, mas é um dia que eu não poderia deixar passar em branco. 13 de maio, dia da Abolição (122 anos, e ela ainda é bem capenga, convenhamos; há os que defendam que ela é inconlusa, do que não posso discordar) e dia d@s pret@s-velh@s.

Ofereço, então, um roteiro da Abolição através de sambas-enredo que cantaram o tema desde a escravidão, chegando ao 13 de maio de 1888, e também aos tempos seguintes. Não tenho muita coisa aqui, e selecionei os que considero mais bonitos. Quem quiser contribuir, me diga a música que depois coloco aqui pra tocar também.

Kuatiça o ngoma, minha gente!!! Ngoma yotééééé!!!!

Nei Lopes – A epopeia de Zumbi

Martinho da Vila – Chico Rei

Mestre Marçal – Sublime pergaminho

Mestre Marçal – Heróis da liberdade

Nei Lopes e Wilson Moreira – Noventa anos de Abolição

Três observações, pra terminar:

Primeiro, acho muitíssimo interessante o fato de se ter estabelecido, dentro da tradição popular, o dia da Abolição como o dia d@s pret@s-velh@s. Alguém tem a genealogia disso, sabe de onde vem? Não creio que seja coincidência, nem que fosse algo anterior à Abolição. Existem estudos ou histórias da nossa oralidade dentro dos terreiros sobre isso? Queria entender isso melhor porque, para mim, é indicativo de que a sabedoria desses mais-velhos deve ter tido papel fundamental dentro das comunidades de escravos para a luta pela Abolição (embora, ao contrário, @s velh@s sejam representados comumente como mansos, de certa forma submissos, como aparece na figura de Pai João). Ou estou falando bobagem?

Segundo, não coloquei os autores dos sambas-enredo, e sim seus intérpretes, porque não sabia de todos, enfim, achei melhor não colocar de nenhum. O que não faz muito sentido, mas eu sou assim mesmo.

Terceiro, quem souber interpretar a letra de “Heróis da liberdade”, cuja melodia é uma das mais bonitas que conheço de sambas-enredo, por favor, escreva aí. Eu acho um mistério. Vai ser tema do meu pós-doutorado, um dia, porque realmente é um mistério para mim. Essa, aliás, acho que é do Silas de Oliveira com mais alguém (Dona Ivone Lara?).

Jornal O Globo censura anúncio pago da campanha AFIRME-SE!

A campanha AFIRME-SE!, como divulguei aqui, estava tentando reunir uma grana, através de doações, para colocar anúncios pagos em quatro grandes jornais (entre eles, O Globo) defendendo a constitucionalidade das ações afirmativas, dias antes de um debate que ocorreu no STF sobre o mesmo assunto. A militância gritou muito, vi um monte de gente divulgando em Orkut, falando aos quatro ventos, mas abrir a carteira pra nos fortalecer, que é bom, nada. Não estou criticando pessoalmente quem não doou, mas sim o conjunto. Alguém que acredite nessa campanha pode não doar seu dinheiro por vários motivos, que vão desde a real falta de grana até a mais singela sequela. Acontece, é assim mesmo. A questão é que, se quase ninguém doou, certamente temos um problema. Não faz sentido?

Enfim, pelo que entendi, a campanha conseguiu uma grana com doadores institucionais, principalmente estrangeiros, e colocou os anúncios na Folha, Estado e A Tarde. Mas o detalhe é que o valor total ainda não foi pago, e eles têm 30 dias, pelo acordo que fizeram. Como AFIRME-SE ainda não tem todo o dinheiro necessário, mas ainda alguns dias, você ainda pode fazer a sua doação. Vai lá no blog deles e vê.

Mas, voltando, hoje abri meu e-mail, e dois amigos meus – o Pedrantonio, que vocês já conhecem; e o Rael, que maldou a situação toda e cantou a pedra – me enviaram a íntegra de uma Representação feita no Ministério Público contra o jornal O Globo, por conta do seguinte, olha isso, gente:

O Globo cobra, para anúncios, comunicados etc. um valor de pouco mais de cinquenta mil reais. Maravilha, tudo dentro dos padrões. Então, os organizadores da AFIRME-SE enviaram o anúncio para que a comissão editorial do periódico fizesse a análise do conteúdo da propaganda (o que é um direito legítimo deles). Mas aí, este dito jornal, que frequentemente – assim como outros veículos de imprensa das Organizações Globo – se autodenomina defensor e bastião da democracia, liberdade de expressão (chego a ouvir a voz de William Bonner, naquela entonação de canastrão profissional, falando aquelas palavras clichês, lançando conceitos que se tornam vagos e maleáveis quando estão nas mãos deles…), decidiu que aquele anúncio era “expressão de opinião”, e que, por isso, o valor mudaria para a bagatela de R$ 712.608,00.

VAMOS LÁ, GALERA, PAUSA PRA GENTE GARGALHAR:

AHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA
HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAH
AHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA
HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAH
AHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA
gargalhando
HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAH
AHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA
HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAH
AHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA
HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAH
AHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA

ai ai ai…

Nunca uma justificativa foi tão furada, e nunca uma “expressão de opinião” custou tão caro. Eu devo mesmo viver em outro mundo.

É claro que o anúncio não pôde ser publicado, e os organizadores da campanha AFIRME-SE! fizeram a tal Representação, mantendo a mesma postura que vem ditando o processo: tudo dentro das normas, indo à justiça, coisa de sociedade madura e realmente democrática. Quem não está sendo nada democrático é esse nosso jornal carioca metido a bossa-nova.

(Eu devo ser um profundo idiota. Sempre defendi que O Globo era um jornal tranquilo, relativamente ético, muito mais suave que, por exemplo, Folha ou Estado. De fato, ainda acho que seja, mas me surpreende eles fazerem isso, e Folha e Estado terem se comportado com o mínimo de compostura. Podem fazer uma pausa para gargalharem de mim, se quiserem. Eu mereço.)

Mas fiquei realmente impressionado com o que aconteceu. Não tanto por achar que o jornal não recusaria dinheiro (certamente O Globo não publicaria, por dinheiro nenhum no mundo, um manifesto afirmando que lugar de mulher é na cozinha, que lugar de preto é no tronco, ou que lugar de judeu é na câmara de gás). O anúncio da campanha AFIRME-SE tinha a força de ser uma ação dentro de parâmetros absolutamente normatizados, do mais alto nível de diálogo democrático, apelando ao nosso Supremo Tribunal Federal e tudo o mais. Não há qualquer justificativa para não ser aceito. Sem violência, gritaria (que, em determinadas situações, acabam sendo nossa única arma, e justificáveis, a meu ver), tudo no mais adequado espírito cidadão. Mas O Globo não aceitou. Isso é realmente bizarro. Dá pra entender o meu choque com isso tudo? Será possível que até em instâncias tão formais os caras apelam para esse tipo de atitude? Convenhamos, é cruel, é cerceador, é imoral.

Abaixo, então, o e-mail que recebi, seguido da íntegra da Representação. Vejam que tal:

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O POVO CONTRA O GLOBO: Representação no Ministério Público diante da censura do jornal ao Manifesto

Numa articulação com ativistas sociais e intelectuais do Rio de Janeiro, a campanha Afirme-se! decidiu entrar com uma representação contra o jornal O Globo, do Rio de Janeiro. A ação, protocolada na tarde de segunda-feira, 8/3, no Ministério Público daquele Estado, foi preparada a partir de minuta do advogado Joao Fontoura Filho, que assiste na Bahia a coordenação nacional da campanha, que resolveu acionar a Justiça alegando que O Globo privou os seus leitores de ter acesso ao Manifesto publicado em outros jornais nacionais no dia 3 de março, no qual se afirma a constitucionalidade das políticas de ação afirmativa e das cotas. Ressalta a ação a contradição de um jornal que diz defender a liberdade de expressão e que critica qualquer iniciativa de a sociedade criticá-lo vir agora censurar a sociedade civil, ao impor um valor absurdo para que esta emitisse o seu ponto de vista sobre um debate que está na pauta jornalística este ano.
A direção de O Globo, após apresentar uma tabela negociada de publicação ao valor de R$ 54.163,20 (dentro dos padrões de mercado obtidos pela agência Propeg), depois de ter acesso ao conteúdo do Manifesto decidiu que somente publicaria pelo valor irracional de R$ 712.608,00 !
A coordenação da campanha buscou solucionar o impasse nas 48 horas que antecederam a abertura das audiências no STF, enviando ao setor comercial de O Globo no Rio e a um dos seus diretores uma série de mensagens, não respondidas.
A representação é assinada pelos professores Alexandre do Nascimento, Rodrigo Guerón e pelo advogado André Magalhães Barros e quer o pronunciamento da Justiça. Já está sendo articulado um abaixo-assinado para ser anexado à ação nos próximos dias.

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR SUBPROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DE DIREITOS HUMANOS E FISCALIZAÇÃO

ALEXANDRE DO NASCIMENTO, brasileiro, solteiro, professor, IFP/RJ – 07726028-9 de 05/03/1991, residente na Rua Julio Berkowitz, S/N, lote 99A, Cabuis, Nilópolis-RJ, ANDRÉ MAGALHÃES BARROS, brasileiro, solteiro, advogado, OAB/RJ – 129773, com escritório na rua Senador Dantas n. 117, sala 610, Centro, Rio de Janeiro/RJ, e RODRIGO GUÉRON, brasileiro, solteiro, professor universitário, IFP/RJ 07157512-0, residente na Rua Marquês de São Vicente, 96, Bl `B`, apto 404, Gávea, Rio de Janeiro/RJ, vêm submeter à apreciação de Vossa Excelência a seguinte REPRESENTAÇÃO contra o JORNAL O GLOBO, pelos fatos e fundamentos seguintes:

Organizações não-governamentais e cidadãos em várias partes do país buscaram publicar, mediante compra de espaço de uma página inteira em jornais de grande circulação, um `Manifesto`, cujo objetivo central é divulgar a constitucionalidade das políticas de ação afirmativa, das quais as cotas são um importante mecanismo.

Para alcançar os seus objetivos, desde o início de janeiro de 2010, articularam uma campanha nacional – denominada `Afirme-se!` – visando sensibilizar os brasileiros e arrecadar fundos para o pagamento dos custos da publicação do referido `Manifesto` nos jornais.

Dessa campanha resultou, inclusive, a adesão de uma agência profissional de publicidade, a `Propeg`, com sede em Salvador, cuja equipe assumiu a criação das peças de campanha, bem como as negociações com as empresas jornalísticas visando a veiculação do material.

Foi assim que a `Propeg` passou a negociar preços e prazos de pagamento com os veículos, durante a última semana do mês de fevereiro. A pretensão foi veicular o `Manifesto` nos jornais `Folha de S. Paulo`, `O Estado de S. Paulo`, `Correio Braziliense` e `O Globo`. Justifica-se a escolha desses jornais por seu forte poder de mercado e a pretensão de atingir os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal e suas equipes, vez que pautaram o debate sobre as cotas naquela corte, para se iniciar a partir do dia 3 de março de 2010.

Em sua negociação com o setor comercial dos referidos jornais, no dia 23 de fevereiro, a `Propeg` recebeu e apresentou ao cliente a planilha de custos dos preços de inserção do `Manifesto`, negociados em nome de uma Organização Não-Governamental, o `Omi-Dùdú`, para a qual seria faturado o débito. Conforme pode ser visto em troca de correspondência entre as partes (Anexo I), o setor comercial de `O Globo` enviou proposta de mídia naquele dia 23 de fevereiro, na qual se estabelece o custo de uma página (colorida) naquele jornal um valor negociado de até R$ 67.704,00, valor este ainda sem o abatimento da comissão de agência. Conforme pode ser visto no plano de mídia inicial (Anexo III), tal valor caiu para R$ 54.163,20, depois de abatido o percentual da agência de publicidade.

Entretanto, no dia 26 de fevereiro, depois que a `Propeg` enviou o anúncio criado “para análise da equipe editorial do jornal”, obedecendo a uma exigência do veículo, aquele valor saltou para absurdos R$ 712.608,00. A alegação de `O Globo` para tal alteração foi expressa nos seguintes termos: “o anúncio foi analisado pela diretoria e ficou definido que será `Expressão de Opinião`, pois, o seu conteúdo levou a esta decisão.”

Informe-se que o valor inicialmente cobrado pelo `O Globo` está dentro da tabela média cobrada no mercado de publicidade em jornais. Seria, portanto, realista e competitivo, sem resultar em nenhuma concessão ou abatimento excepcional. Isto pode ser demonstrado pelos valores cobrados para veiculação do mesmo anúncio pelos jornais `Folha de S. Paulo` (R$ 38.160,00), `O Estado de S. Paulo` (R$ 37.607,23) e outro, que decidimos incluir, `A Tarde` (R$ 36.048,48). (Anexo II).

Deve ser dito que, dos jornais mencionados, a `Folha de S. Paulo`, `O Estado de S. Paulo` e `O Globo` competem, no mercado editorial, em distribuição, circulação e influência nacionais. Em termos de linha editorial, esses três veículos são, nitidamente, contrários às cotas e às políticas de ação afirmativa. No entanto, diferentemente de `O Globo`, todos os demais aceitaram publicar o `Manifesto`, custeado pela sociedade civil por um preço comercialmente realista.

O `Manifesto` tem o objetivo de informar a sociedade a respeito da constitucionalidade das cotas – tão atacadas nos editoriais, artigos e comentários difundidos, entre outros, pelo jornal `O Globo`. No intuito de publicá-lo, um dos responsáveis pela campanha `Afirme-se!` tentou, fazendo uso dos canais oferecidos na página eletrônica do jornal, negociar com o setor comercial de `O Globo`, durante os dias 1 e 2 de março, sem obter qualquer resposta.

Se o `Manifesto` não for publicado no jornal `O Globo`, grande parte dos leitores do Rio de Janeiro e outras cidades do Brasil será prejudicada no acesso a essa informação. De forma alguma, a publicação do manifesto visa provocar quem quer que seja.

Conforme pode ser conferido no respectivo site institucional do Supremo Tribunal Federal, o ministro Ricardo Lewandowski designou para de 3 a 5 de março de 2010 a realização de audiência pública, a fim de ouvir interessados nas duas argüições judiciais sobre políticas de ação afirmativa adotadas por universidades brasileiras que lá tramitam, das quais Lewandowski é o relator: “O debate em questão consubstancia-se na constitucionalidade do sistema de reserva de vagas, baseado em critérios raciais, como forma de ação afirmativa de inclusão no ensino superior”, informa o Edital de Convocação da Audiência assinado pelo ministro. No referido debate, estarão em discussão:

1. uma Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF/186), de autoria do Partido Democratas (DEM), contra a Universidade de Brasilia (UnB) e seus responsáveis, por essa universidade adotar o sistema de cotas em seu vestibular.

2. um Recurso Extraordinário (RE/597285), de autoria de Giovane Pasqualito Fialho, contra a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que também adota o sistema de cotas em seu vestibular. O autor questiona o fato de ter obtido nota que o habilitaria a uma vaga naquela universidade, mas que, por conta das cotas, teria sido ocupada por outro candidato aprovado.

A audiência pública convocada por Lewandowski configura-se como um dos momentos cruciais para o futuro das políticas de ação afirmativa. Dela, deverão participar trinta e uma pessoas selecionadas pelo STF, para se manifestarem pró ou contra a constitucionalidade das ações afirmativas. Este projeto visa minorar o desequilíbrio existente, ao oferecer maior suporte midiático aos que são a favor das cotas, considerando que, na mídia, há uma diferença gritante no espaço que vem sendo dado aos que são contra essa política de ação afirmativa.

No Brasil, a tardia adoção de tais políticas, que vêm sendo implementadas, timidamente, há menos de uma década, por algumas instituições públicas, e mesmo privadas, em especial no campo da educação superior, tem sofrido ataques poderosos de setores da grande mídia.

Há uma verdadeira campanha que objetiva duas coisas: 1) extinguir, vetar, destruir as poucas iniciativas institucionais de ação afirmativa já existentes; 2) impedir, bloquear, derrotar qualquer possibilidade de implantação ou criação de novos instrumentos legais e institucionais de ação afirmativa.

Na hipótese de a maioria dos ministros do STF acatar, integralmente, o que a ação do DEM contra a UnB e o RE contra a UFRGS demandam, as políticas de ação afirmativa, executadas hoje por cerca de 80 instituições de ensino superior, deixarão de existir, impedindo que milhares de estudantes indígenas e afrodescendentes realizem suas expectativas de ingresso e conclusão do ensino superior.

Estão sob ameaça de se tornarem inconstitucionais o `Estatuto da Igualdade Racial`, que por 15 anos tramita entre a Câmara dos Deputados e o Senado, e demais projetos de lei, como o 73/99 incorporado ao projeto de lei 3.627/2004, do governo federal. Poderá ser declarado ilegal tudo o que estabelece políticas públicas compensatórias para setores da sociedade historicamente discriminados e excluídos

A campanha `Afirme-se` foi publicamente lançada entre a última semana de fevereiro e a primeira semana de março de 2010. E seguirá, num segundo momento, assim que for definida a data de discussão e votação do tema em plenário do Supremo Tribunal Federal.

A ação midiática proposta busca sensibilizar a maioria dos 11 ministros do STF para a justeza e para a constitucionalidade das políticas de ação afirmativa já existentes, a favor de indígenas e afrodescendentes. Exemplos dessas políticas são: as cotas em universidades, a regularização de terras dos remanescentes dos quilombos, os programas especiais dos ministérios das Relações Exteriores e da Reforma Agrária, dentre outros.

No episódio em tela, além dos indícios de afronta ao Estado Democrático de Direito e aos fundamentos da República, diversos dispositivos constitucionais foram contrariados. Sendo comprovadas tais práticas e a finalidade de violar a Carta Política nos artigos abaixo elencados, os representantes esperam que medidas legais sejam tomadas pelo fiscal da lei:

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

…….

II – a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V – o pluralismo político.

………

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

……

IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

……

IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

…..

XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;

…..

CAPÍTULO V
DA COMUNICAÇÃO SOCIAL

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 1º – Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

§ 2º – É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

………

§ 5º – Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.

§ 6º – A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade.

………“

No âmbito doutrinário, destacamos a concepção de Daniel Sarmento, em “A Vinculação dos Particulares aos Direitos Fundamentais no Direito Comparado e no Brasil”, segundo a qual, a Constituição indica, como primeiro objetivo fundamental da nossa República, “construir uma sociedade livre, justa e solidária” (art. 3º, I, CF), indicando que o modelo constitucional brasileiro se afastou da visão liberal de que o Estado é o único violador dos direitos fundamentais. A Constituição Federal de 1988 irradia, portanto, os seus princípios para todo o sistema jurídico, inclusive para as relações entre particulares, que devem estar vinculados aos Direitos Fundamentais garantidos constitucionalmente. Trata-se da denominada EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS, que recebeu acolhida no Supremo Tribunal Federal, na seguinte decisão:

STF, RE 201819 / RJ, Relator Min. ELLEN GRACIE, Relator p/ Acórdão Min. GILMAR MENDES, Julgamento: 11/10/2005, DJ 27-10-2006, Órgão Julgador: Segunda Turma

“As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados.

(…)

A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais.“

Pelo exposto, sendo apurados e comprovados, pelo Parquet, os fatos e os fortes indícios de práticas infrativas à liberdade de expressão e ao direito à informação, os representantes vêm requerer a Vossa Excelência que sejam tomadas as medidas legais.

Rio de Janeiro, 8 de março de 2010

ALEXANDRE NASCIMENTO
IFP/RJ – 07726028-9

ANDRÉ MAGALHÃES BARROS
OAB/RJ – 129773

RODRIGO GUÉRON
IFP/RJ 07157512-0

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E não se fala mais nisso.

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Campanha AFIRME-SE! Eu apoio e contribuo. E você?

Alô militância negra e simpatizantes!

Já que tentam lançar contra nós aquele estigma de que, ao propormos políticas públicas com vistas à promoção da igualdade racial, estamos imitando os americanos, proponho que comecemos a usar isso a nosso favor. É muito comum nos EUA que os cidadãos comuns apoiem financeiramente veículos de comunicação, campanhas publicitárias, instituições etc. com cujas linhas ideológicas se identifiquem. A própria campanha do atual presidente Obama, que bateu recordes de arrecadação, foi um exemplo disso. Mas é muito comum, quero frisar, que se faça isso também com iniciativas menores, mais localizadas.

O caso é que está marcado para o dia 5 de março próximo uma audiência no Supremo Tribunal Federal em que será debatida a constitucionalidade – ou não – das ações afirmativas com base em raça. E aí fiquei sabendo por uma amiga, via e-mail, que pra fazer a defesa do nosso lado surgiu a campanha AFIRME-SE!, que, como definem seus organizadores, pretende

Planejar, produzir e executar uma ação nacional de mídia em defesa das políticas de ação afirmativa no Brasil, em vistas do Supremo Tribunal Federal (STF) ter pautado para a partir de 5 de março de 2010 a discussão sobre a sua constitucionalidade. A ação se posicionará como contraponto aos ataques que tais políticas tem sistematicamente sofrido com o apoio explícito de toda a grande mídia nacional.

AFIRME-SE! quer colocar anúncios pagos de página inteira em quatro grandes jornais brasileiros (O Globo, Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo e Correio Braziliense), entre os dias 1 e 4 de março, que antecedem a audiência, esclarecendo – ou, como muito bem diz o povo da militância, escurecendo – a importância das ações afirmativas para negros e indígenas, bem como a sua constitucionalidade. Estão previstos ainda informes publicitários em outdoors pelas ruas de sete capitais brasileiras, ou vinhetas no rádio e na televisão. Para isso, a campanha espera arrecadar em torno de R$ 800 mil.

R$ 800 mil, minha gente, isso mesmo. Achou muito dinheiro? Ficou escandalizad@? Te parece ambicioso demais? QUE BOM! Porque, pelo que entendi, a ideia da campanha é justamente essa: aproveitar o momento histórico favorável que estamos vivendo e parar com o investimento na pobreza e na marginalidade, que por tanto tempo caracterizou os movimentos sociais como um todo. Arrecadar muita grana e se expor em jornais, televisão etc. signifca mostrar que estamos organizados, fortes, que temos poder político e influência. E isso mostra o quanto amadurecemos nos últimos anos. Sem medo de ser feliz, sem medo de pensar grande, sem a síndrome do ex-escravo que aceita uma choça miserável na fazenda do ex-senhor porque sabe que nas ruas não vai conseguir emprego. Nada disso. Queremos muito, queremos mais.

É por isso que, amanhã de manhã, quando for à rua, vou sentir hoje de manhã, quando fui à rua, senti o maior orgulho de imitar aquilo que os americanos têm de bom, e fazer fiz uma contribuição para a campanha.

Clique em AFIRME-SE!, para saber mais sobre a campanha, os parceiros, a conta para colaboração (que está sob responsabilidade do Fundo Brasil de Direitos Humanos). Para entrar em contato, afirme.se@gmail.com.

E God bless America.

comprovante

Por que Jesus pode entrar na escola e Exu não pode?

Um ponto fundamental para se entender os mecanismos e possibilidades do racismo é saber que ele não se restringe à cor da pele, mas busca punir todo um campo semântico, uma gama de signos e símbolos ligados ao universo negro. Já comentei sobre isso falando do samba, em dois posts antigos (aqui e aqui), e também em outro, mais recente, em que eu propunha a convivência com o universo simbólico negro, além da sua valorização, como um mecanismo para combater o racismo. Poderíamos falar sobre aspectos linguísticos, sobre identidade corporal, vestuário, culinária, praticamente tudo. Recebi por e-mail, recentemente, um artigo que mostra esse fenômeno relacionado às religiões afro, com enfoque na educação. Inquices, orixás, voduns e entidades afins sofrem perseguição desde que começaram a se manifestar frente à fé cristã, em África ou nas Américas. Já foi o governo, oficialmente; já foi a igreja católica; e hoje muitos evangélicos militam contra toda religião afro-originada. E não são poucos os espíritas (da tal linha branca, de mesa) que torcem o nariz para entidades como pretos-velhos e caboclos. O texto que divulgo abaixo mostra muito bem que essa perseguição tem, de fato, a ver com o racismo.

*

Por que Jesus pode entrar na escola e Exu não pode?

Stela Guedes Caputo

No dia 27 de outubro de 2009, um jornal carioca destacou o caso da professora Maria Cristina Marques proibida de dar aulas em uma escola municipal, no Rio, porque utilizava o livro “Lendas de Exu”. A professora é umbandista e a diretora dessa escola é evangélica. Maria Cristina relatou diversas humilhações, desde ser acusada por mães de alunos de fazer “apologia ao Diabo” à colocação de um provérbio bíblico na sala dos professores chamando-a de mentirosa. Ao lerem a notícia deste caso, certamente muitos sentiram na pele as humilhações sofridas por Maria Cristina. Isso porque é muito comum que professores e professoras, alunos e alunas praticantes de candomblé ou umbanda sejam discriminados nas escolas.

A questão é complexa e podemos fazer muitas perguntas a respeito, mas farei aqui apenas uma: por que Jesus pode entrar na escola e Exu não pode? Por que um Jesus louro, coberto por uma túnica branca, pode estar em um dos livros da coleção para o Ensino Religioso católico, destinada à rede pública e lançada em 2007 pela Cúria Diocesana? A resposta que tenho não agrada. Exu não entra na escola porque este país é racista e, por isso, o racismo está presente na escola. Também acredito que atravessamos uma fase de avanço significativo dos setores conservadores na educação pública. A manutenção da oferta do ensino religioso na Constituição de 88, a aprovação deste como confessional no Rio, o lançamento dos livros didáticos católicos em 2007, a Concordata Brasil-Vaticano aprovada pelo Senado em outubro deste ano. Tudo parece fragmentado, mas não é. Trata-se de vitórias lentas e sigilosas que ampliam, reforçam e legitimam as circunstâncias necessárias para que a discriminação sofrida por Maria Cristina continue sendo uma prática bastante comum em nossas escolas públicas.

A Mãe-de-santo e escritora Beata de Yemanjá, acredita que a discriminação de sua religião acontece porque “pensam que o Brasil é uma coisa só. Por isso nos discriminam e a nossas religiões. Isso é racismo”, diz ela. O pesquisador Antônio Sérgio Guimarães concorda e defende em diversos livros que qualquer estudo sobre racismo em nosso país deve começar por notar que, aqui, o racismo foi, até recentemente, um tabu e que os brasileiros se imaginam numa democracia racial, fonte de orgulho nacional que serve como prova de nosso status de povo civilizado. Para este autor, essa pretensão a um anti-racismo institucional e as regras de pertença nacional suprimiram referências a sentimentos étnicos, raciais e comunitários, contribuindo para a nação brasileira imaginada numa conformidade cultural em termos de religião, raça, etnicidade e língua. É por isso que este autor, entre outros, acha que o racismo brasileiro é do tipo heterofóbico, ou seja, um racismo que é a negação absoluta das diferenças, que pressupõe uma avaliação negativa de toda diferença, implicando um ideal (explícito ou não) de homogeneidade (ou uma coisa só, como diz Beata).

Quando a diretora de uma escola proíbe um livro de lendas africanas ela quer apagar a diversidade presente na sociedade e na escola, quer silenciar culturas não hegemônicas, como as afro-descendentes. Mas como, se a professora discriminada é branca? A professora é branca, mas Exu é negro. Um poderoso e imenso orixá negro. É o orixá mais próximo dos seres humanos porque representa a vontade, o desejo, a sexualidade, a dúvida. Por que esses sentimentos não são bem-vindos na escola? Por que a igreja católica tratou de associá-lo ao mal e ao Diabo (ao seu Diabo) e muitas escolas incorporam essa lógica conservadora, moralista, hipócrita e racista. Exu, no livro proibido, afirma que este país tem negros com diferentes culturas que se entendidas como modos de vida, podem incluir diferentes modos de ver, crer, sentir, entender e explicar a vida. Isso não pode, porque na escola só entra o Jesus lourinho dos livros didáticos católicos (esses são bem-vindos). Positivo foi que muitos professores e professoras se manifestaram contra o ocorrido. Além disso, a Secretaria Municipal de Macaé publicou nota criticando a discriminação e apoiando a professora, o que evidencia, da mesma forma, que a escola não é “uma coisa só”. Por isso, é nas suas tensões cotidianas que devemos fazer, também cotidianamente, a luta contra o racismo de todo tipo, inclusive este, disfarçado de intolerância religiosa.

Para encerrar podemos fazer novas perguntas: a professora silenciada lecionava literatura. Digamos que ensinasse História da África, como ensinar essa disciplina tornada obrigatória? Amputando suas culturas, entre elas, o candomblé e seu riquíssimo panteão de orixás? Alguém questiona quando a disciplina de História fala do catolicismo? Da reforma protestante? Esses conteúdos fazem parte do ensino regular de História (por isso, entre outras coisas, o Ensino Religioso não é necessário). As culturas com suas religiões também fazem parte do ensino de História da África. Como é que vai ser? Pais e professores arrancarão as páginas desses livros? Ou eles já serão confeccionados mutilados pelo racismo? Respondo com a saudação ao orixá excluído da escola (só podia ser ele a armar tudo isso): Laro oyê Exu! Para que ele traga mais confusão e com ela, o movimento, a comunicação e a transformação onde reina.


oquê, caboco!

quando chegar a um milhão, eu fecho o blog.

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