Da convivência como forma de combate ao racismo

Um dos argumentos de que mais gosto quando discuto sobre formas de combater o racismo é aquele que defende a noção da convivência. Li isso pela primeira vez no livro Claros e escuros, do Mestre dos Mestres, Muniz Sodré, mas eu já tinha ensaiado esse mesmo argumento quando discutia sobre cotas com um antigo professor meu, evidentemente sem a elaboração de Muniz. Àquela altura, o tal professor dizia que as cotas iriam segregar negros e brancos, que vivem juntos e muito bem. Eu disse-lhe que, ao contrário, as cotas fariam com que se encontrassem na universidade pela primeira vez. Ele então me disse: “Palavras, Rafael, isso são apenas palavras…” Eu fiquei quieto em respeito a ele, e pela insegurança dos meus 18 anos, mas fiquei pensando que não passavam de palavras o argumento dele, isso sim, já que a convivência que ele alardeava existir não existia na universidade, mas de jeito nenhum. Não se pode chamar de convivência aquela coisa do(a) único(a) aluno(a) negro(a), a unidade isolada pra afirmar que existe, o que é muito diferente de ter uma sala inteira meio a meio, alunos brancos e alunos não-brancos.

Mas vejamos como Sodré, então, defende a ideia da convivência no já citado livro, um dos melhores de sua obra:

Desde Spinoza e sua Ética, torna-se patente para os modernos que afeto não se reduz a um estado anímico, inteiramente controlável pelas representações da consciência subjetiva, já que é principalmente disposição interna articulada com forma de vida, modo de existir – ethos. Como forma, o afeto é, ao mesmo tempo, interior e exterior, pulsão e fenômeno, o que implica levar em conta tanto ânimo quanto corpo em seus modos particulares de instalação e deslocamento no espaço.

O afeto capaz de levar à abolição do racismo é o sentimento (visão e ação) que abole a distância ontológica (psíquica e territorial) entre o Mesmo e o Outro. Nasce, portanto, de uma comunidade, de uma parceria (trocas, interações, trabalho conjunto, convivência prolongada) entre singularidades, e não de uma cívica e piedosa tolerância democrática. Não se trata apenas de isonomia (igualdade perante o sistema jurídico e social), mas principalmente de isotopia – igualdade dos lugares.

Entretanto, por diversos contingentes históricos, e sobretudo pela concretude de nossa miscigenação biológica e cultural – que nos oferece uma falsa porém impactante impressão da ausência de racismo em nossas relações –, costumeiramente avaliamos de forma positiva a convivência entre brancos e negros, o que demonstra como ainda é rasa a nossa compreensão sobre este constante jogo de forças. Marcelo Paixão, em seu artigo “O Justo Combate: reflexões sobre relações raciais e desenvolvimento”, usa um conceito que me é muito caro para refinar a percepção sobre o contato racial: o das áreas moles e áreas duras da convivência entre indivíduos de cores diferentes na nossa sociedade.

As áreas moles são aquelas em que é facilmente permitida a tal convivência: na rua; no bar; no cabeleireiro; na fila do supermercado; no futebol. Até a amizade, às vezes, pode ser uma área mole.

As áreas duras, por outro lado, são aquelas em que tudo fica mais difícil: o namoro ou casamento; a família e situações de intimidade do lar; o trabalho, especialmente quando há diferentes níveis de poder ou disputa pelo mesmo etc.

O exemplo do bar e da rua, para os homens, é clássico. Eu tenho dois amigos na minha rua, brancos, irmãos, que me ligam para tomar cerveja, reclamam quando não apareço, e um deles até já ficou magoado (sinceramente magoado, não é ironia) porque eu me ausentei de um aniversário dele. Mas também já disseram na minha cara: “Falei pra minha irmã que se ela aparecer lá em casa de mãozinha dada com crioulo, vai entrar na porrada”. Perguntei-lhes se da minha cor, um preto clarinho como eu, assim, podia namorar com ela. Me disseram que não sabiam, mas que teriam de conversar.

(E as mulheres? Teriam algum exemplo típico para o seu gênero, ou acontece de forma semelhante ao unoverso masculino? Se por aqui leitoras houver, manifestem-se nos comentários, por favor!)

Pois bem, a questão da convivência é crucial porque somente através dela, me parece, o racismo pode ser combatido efetivamente. O racismo, bem sabemos, é um mal-estar que sempre vai existir. Ele é fruto do estranhamento, sentimento natural, legítimo e até mesmo instintivo por parte do ser humano. Tenho vizinhos nordestinos, por exemplo, que colocam forró em um volume muito alto ao lado do portão da casa do meu pai. Eu não gosto deles. Falam de um jeito que me é estranho, me parecem muito mal educados e têm hábitos que considero estranhos (talvez nem sejam, mas podem me parecer pelo preconceito). Eu não sei de que cidade ou estado são, pra mim não faz diferença. Sei que são nordestinos. Eis o preconceito. Isso não quer dizer que eu não goste de nordestinos em geral, mas com certeza me faz ter impressões ruins – que sei, claramente, serem fruto do preconceito. E é justamente isso: sei que muito do que penso é preconceito, e nem por isso o preconceito vai embora. Preconceito é preconceito: está internalizado, e para sair da gente, é preciso que a alma seja trabalhada.

Então, esses meus amigos só vão entender que negros são iguais a eles no dia em que a irmã loura e intocada forçá-los a conviver com um cunhado negro; e tiver filhos negros, que serão primos dos filhos brancos deles. E aí, quem sabe, por terem primos negros, e com primos negros conviverem desde sempre, estes filhos dos meus amigos poderão entender de uma outra maneira o indivíduo negro, poderão ver que são pessoas normais, e será mais fácil de esses filhos e filhas do meus amigos também terem namoradas e namorados negros, e assim estará criada uma condição que dificulta a apreensão de sentimentos racistas nas gerações seguintes: porque já terão internalizado que negro é a mesma coisa que branco, porque vêm experimentando isso desde a infância.

Não se enganem, entretanto, em achar que isso aqui é um elogio à mestiçagem (embora mestiçagem seja muito bom, sim; mas não nos moldes carnavalizados que não discutem as discrepâncias e preconceitos que podem haver por detrás dela). Até porque, como observamos no caso brasileiro, a mestiçagem muitas vezes ocorreu exatamente com descrito no parágrafo acima (além, é claro, das incontáveis – no duplo sentido – histórias de violência sexual contra mulheres negras) e ainda assim o país tem um grave problema relacionado ao racismo. Esses mesmos primos, brancos e negros, que convivem entre si, podem se tornar adultos racistas naquelas áreas duras já indicadas. Os primos brancos podem, mesmo tendo primos negros, não se sentirem à vontade em namorar pessoas negras, podem preterir funcionários negros ao longo de sua vida profissional, caso um dia lhes caiba uma função de chefia etc. E os primos negros podem ser daqueles que querem “clarear” a família, podem criar estereótipos sobre si mesmos que tenham como reflexo a baixa autoestima etc.

Tudo é possível, porque o ser humano é mesmo muito complexo. E não podemos negar que há ainda uma força muito poderosa – eu diria até predominante – que faz a nossa sociedade (e os tais primos, portanto) viver e ver o mundo a partir de uma ótica muito marcada pelo racismo. E justamente essa ótica tem impedido que a convivência entre brancos e negros ocorra de forma honesta, igualitária, o que significaria ocorrer em mesmo nível, quantidade e qualidade nas áreas moles e nas áreas duras – ou, melhor dizendo, sequer haveria áreas moles ou duras. Haveria tão somente a convivência. E aí é que mora o problema. Uma das grandes dificuldades para se resolver o poderoso racismo que nos assola é semelhante ao paradoxo do Tostines, que nos pergunta: “Tostines é fresquinho porque vende mais, ou vende mais porque é fresquinho?”

No fim das contas, o caso é que Tostines está sempre fresquinho. E o racismo, também.

No fim das contas, o caso é que Tostines está sempre fresquinho. E o racismo, também.

No caso do racismo, se sabemos que a convivência permite que o estranhamento se vá – e assim o racismo efetivamente desapareça –, sabemos também que o estranhamento não permite a convivência. É exatamente o caso que relatei dos meus amigos em relação à irmã deles. Eles estranham o negro, e sempre vão estranhar, porque o estranhamento os impede de deixá-la namorar com um negro e que eles, assim, convivam com um negro em casa. O estranhamento impede que eles mesmos namorem com mulheres negras e entendam que elas não se reduzem a mulheres quentes, lascivas, com visgo na xoxota, embora possam ser tudo isso, como uma branca também pode, e que podem ser muito mais do que isso, como uma branca também pode – mas a branca eles já sabem que pode.

Mas voltemos à convivência. Sei que isto já está esticado, perdoem a verborragia, e na verdade eu só queria usar essa introdução para expor uma ideia relativamente simples, que de algum modo já falei nesse blog, e que tanta gente já falou e escreveu por aí – mas sem fazer a ponte com esse conceito (não sei se posso dar essa pompa toda) de convivência, que é o que quero defender aqui.

Ora, vivemos em um país profundamente miscigenado biologicamente e culturalmente, talvez sem igual no mundo. E, ainda assim, somos racistas (somos sim, Ali Kamel, não fode). Houve quem, muito recentemente, ostentando o título de “intelectual”, defendesse em jornais e artigos acadêmicos que a nossa miscigenação era a prova de que racismo não havia (incorrendo no erro básico de não perceber as áreas moles e duras), ou, pior, de que com a miscigenação o racismo estaria naturalmente desaparecendo. Este último argumento faz nivelar a discussão por baixo, além de ser especialmente incoerente, pois está afirmando que deixaremos de ser racistas quando formos todos mulatos e iguaizinhos – mas aí, se é todo mundo igual, nem faz sentido a discussão de racismo; só se pode falar em racismo ou superação do mesmo se, havendo diferenças, há harmonia e não há desigualdade). E ainda se esquece que não seremos todos iguaizinhos, jamais, enquanto houver racismo, porque haverá um limite para essa miscigenação (novamente pelo paradoxo do Tostines, embora, é claro, não se possa fazer uma previsão tão cartesiana da impossibilidade da mistura pelo já citado paradoxo quando se trata de sociedade, cultura, um monte de gente junta e tal; só estou ilustrando).

Acontece que nossa miscigenação se dá e continuar-se-á a dar porque é, de fato, uma característica da nossa cultura, que abriga um racismo que não é negrofóbico como o norte-americano, mas etnocentrista, ou seja, está mais para uma escala de valores que coloca o negro lá embaixo e o branco lá em cima, do que para a necessidade de eliminação física e explícita do negro. Grosso modo, isto torna possíveis as relações sexuais entre pessoas de cores diferentes e igualmente possíveis os seus filhinhos miscigenados.

O que me parece que falta, caros leitores, isto sim urgentemente, é a convivência com o universo simbólico relacionado ao negro; uma troca franca; o contato contínuo e incontrolável com esse patrimônio, que nos atinge em esferas mais profundas do que podem conseguir um aperto de mãos, dois beijinhos, um tapinha nas costas ou um ato sexual. Todos precisam viver esse contato de forma plena, mas sobretudo as pessoas negras precisam ter a convivência com este tanto simbólico que lhes é próprio ou que lhes é relacionado, mas cujo acesso é negado de várias maneiras. Precisamos reverter esta destruição do patrimônio de significações, aquilo a que Muniz Sodré, em A verdade seduzida, chamou de semiocídios.

É preciso ligar a televisão e ver negros. É preciso entrar num supermercado e ver um gerente negro, e ter de lidar com ele na hora de uma reclamação ou elogio. É preciso ler livros escritos por negros. É preciso ter professoras negras. É preciso ouvir samba no Teatro Municipal, e ler no jornal do dia seguinte que o sambista recebeu tanto dinheiro quanto o músico da bossa-nova. É preciso ler e ouvir histórias que contem não só como os negros eram obrigados a viver durante a escravidão, mas também que atitudes os negros tomavam para ter outra vida. É preciso saber que o Egito tinha ao menos um importantíssimo reino de negros, o dos núbios. É preciso saber que não pronunciamos o “r” final de verbos no infinitivo por influência das línguas bantas. É preciso ter várias chefes negras ao longo da vida, tomar broncas e receber elogios delas. É preciso que um criminoso negro seja defendido por um advogado negro e condenado por uma juíza negra, para que então este criminoso entenda que pode estar do outro lado da história. São necessários muitos outros Andrades. É preciso ver uma mulher negra de véu e grinalda entrando na igreja ao lado de seu pai, feliz e bem vestida, casando-se com um homem negro sorridente. É preciso saber que há casamentos nos candomblés, e saber como são celebrados. É preciso ver anúncios à beira de vias expressas com pessoas negras divertindo-se em um parque de diversões. É preciso ver anúncios de pacotes de viagem para Angola, Moçambique e Nigéria. É preciso ler uma coluna social fútil escrita por um negro, com a cara dele estampada. É preciso ver pessoas vestidas de branco às sextas-feiras. É preciso que a receita de acarajé esteja num livro de alta culinária numa seção de comidas de origem africana. É preciso assistir a filmes que sejam dirigidos por um negro e roteirizados por uma negra, não necessariamente tratando de questão racial, porque é preciso poder ver mais cenas como a de Besouro e Dinorah jogando capoeira, se beijando e fazendo amor. É preciso ser atendido por uma médica negra de cabelo trançado. É preciso criar uma banda que misture choro, blues, jazz e funk carioca, e que ela faça um clipe. É preciso ver um monte de gente balançando seus blacks e dreads pela rua. É preciso degustar canjica, lamber os beiços e saber que é comida de macumba.

É preciso estar cercado de negritudes por todos os lados e gozar fartamente com isso.

13 Respostas to “Da convivência como forma de combate ao racismo”


  1. 1 Lê do Mucungê 14/01/2010 às 18:23

    Iê man. Big Up.

    Gostei da forma como articulou os conceitos, entretanto me parece que o contato com o universo simbólico – a cultura negra, ja vem ocorrendo, principalmente depois que muitos ícones de cultura popular negra foram anexada ao rol de ‘expressões brasileiras’, como o samba por exemplo.
    Acredito, como você, que é através de uma convivência com a cultura, tanto de brancos como de negros que, que podemos avançar na questão racial no Brasil. No entanto acredito que a luta deve assumir a diferença como bandeira. A defesa de ser Negro e de não se identificar com a ideologia da miscigenação, que como sabemos e lemos no seu texto, vem custando caro para o povo negro, sobretudo para as mulheres negras.

    Máximo Respeito Jazz
    Axé.

    http://www.ledomucunge.blogspot.com

  2. 2 Rafael Cesar 14/01/2010 às 21:03

    Fala Mucungê!

    Cara, acho que temos de tomar cuidado com algumas coisas. Por exemplo, o que você falou em relação ao samba, concordo que temos contato com ele (acho que mais do que com qualquer outra música, se considerarmos o gênero pagode dentro dele), mas a ele não é dado o mesmo valor que se dá à bossa nova, por exemplo. Valor mercadológico e artístico. E por que isso acontece? Porque o samba está dentro desse universo simbólico negro, que é considerado inferior etc e tal. Por isso eu coloquei no texto que era preciso ouvir samba no Municipal e saber que o sambista recebeu uma grana boa para fazer o show. Isso é um contato que torna valioso e positivo o samba, que faz parte do universo negro. E os símbolos ligados ao universo negro têm esse valor menor porque, creio, há uma desarticulação das coisas. (Isso é uma ideia que me andou vindo à cabeça esses dias, nada muito sério, só divagação). A minha ideia, só pra dar um exemplo, é que o samba teria mais valor mercadológico e artístico se houvesse um acarajé num livro de receitas de alta culinária; e o acarajé seria levado mais a sério e menos antropologizadamente se o sambista pudesse tocar no Municipal recebendo a mesma fortuna que o João Gilberto recebeu quando tocou lá – e, por conta disso tudo, eu e você não mais seríamos elementos suspeitos, ou preteridos em empregos etc.

    Como não posso obrigar ninguém a gostar de mim nem parar de ter preconceito comigo, acho que o melhor caminho é mesmo o dessa reestruturação simbólica, que pode ser feita através de políticas públicas (cotas na tv, ou um programa de divulgação das comidas afro, por exemplo), e que acabam alavancando a autoestima da população negra como um todo, e mesmo as pessoas não-negras podem ir experimentando esse patrimônio cultural desde sempre, por onde passem, sabendo que ele tem valor, e que, portanto, as pessoas que são herdeiras desse patrimônio também têm muito valor.

    Então, voltando ao samba, por mais que ele seja divulgado, eu me pergunto: qual o contexto em que ele é divulgado e com o qual tomamos contato? É mais ou menos o caso de atrizes e atores negros na tv. Estão lá, só que em número muito pequeno, e historicamente fazendo papel de empregados, sem importância na história, sem núcelo próprio, sem conflitos, histórias de amor, nada que os humanize. Há a questão da qualidade do contato. Talvez eu devesse ter explicitado isso um pouco melhor.

    É claro que isso tudo é utópico e é só uma parte do processo. Mas é que eu acho que essa parte é realmente muito importante no todo do combate ao racismo, e não costuma ser levada muito a sério. É sempre carnavalizada, vira festa, bagunça. E não é. É muito séria.

    A minha ideia desse contato com o patrimônio é justamente uma maneira de reforçar não exatamente a diferença, mas a identidade. Claro que, para termos identidades diversas, temos diferenças. Isso, aliás, não me parece uma escolha: nós sempre colhemos as diferenças, porque sempre haverá diferenças (é patético acreditar num país totalmente mulato, e certamente não é a solução dos nossos problemas), e elas muitas vezes, ou quase sempre, geram a desigualdade. Mas o importante é que as pessoas tenham contato com esse universo simbólico ligado ao negro, que esse universo tenha valor, e que as pessoas saibam que é ligado ao universo negro.

    Reforçar a diferença e ir contra o discurso da miscigenação é bom, mas até certo ponto. Por isso prefiro falar em identidade, mais do que diferença, senão pode cair numa ideia de conflito eterno, sem solução, e não é isso que queremos, certo?

    Bom ter você por aqui. Abração,
    Rafael.

  3. 3 Lê do Mucungê 16/01/2010 às 03:28

    Rafa, respeito seu ponto de vista, ele vem somando nas minhas reflexões amigo !
    entretando estou pensando realmente a partir da diferença. O conflito eterno que você quer evitar pra mim é evidente quando pensamos na posição social e economica que assola a população negra (ou não-branca como preferem alguns rs.) .
    Se o problema é sem solução eu não sei cara, mas acredito que pensar isso coletivamente como estamos nos propondo a fazer e como as diversas organizações negras vem fazendo em toda a história do (s) movimento (s) pelo menos indica um caminho em busca da solução. Pra mim a solução está longe de ser resolvida mesmo, então o conflito muito mais que uma opção é um fato, e eu venho preferindo o conflito do que a paz com cara de silenciamento dos nossos sentimentos, que é o que vem acontecendo por exemplo quando negam o preconceito racial e os argumentos que partem dele para embasar políticas públicas como é o caso das cotas por exemplo.(aliás, muito bem defendido no debate contra o Militão aqui no seu blog irmão)
    A diferença e o conflito, enfim …
    Pra luta !
    axé
    Mucungê !

  4. 4 Lê do Mucungê 16/01/2010 às 13:45

    segura ai que ja termino de escrever ! axé !!!

  5. 5 Rafael Cesar 17/01/2010 às 23:01

    Mucungê, camarada

    Quando eu falei em conflito, não me referia necessariamente a um choque entre brancos e negros, mas sim que, quando investimos na diferença, e não na identidade, criamos um conflito no sentido do tipo “não podemos estar próximos porque somos diferentes”. Por outro lado, agora acho que falei bobagem. A gente pode investir na diferença e isso não acontecer. É só que eu acho que a tendência ao conflito aumenta se falamos em diferença, e não em identidade. Ao mesmo tempo, para haver identidades, uma coisa fundamental é haver diferenças, certo? Enfim, agora fiquei um pouco confuso com o que eu estava pensando. Mas você entendeu o meu ponto de vista?

    E aí você disse:

    o conflito muito mais que uma opção é um fato

    Concordo plenamente contigo. Qualquer mudança nas estruturas de poder das sociedades se dá pelo conflito. O conflito não é necessariamente violento, sangrento, mas é sempre conflito. Pode ser diplomático, político, ou físico, mas é sempre conflito. Também acho que a tendência é o conflito crescer, e vai ficar muito mais evidente que de cordial e tolerante o brasileiro não tem nada, certo?

    Você conhece o LLL, blog do Alex Castro? Caso você não conheça, apresento: É um dos caras que falas as coisas mais interessantes sobre questão racial. E é muito interessante, porque ele é um ex-milionário, é branco (na verdade, ele diz que é branco, mas pelas fotos que já vi dele, tá mais pra mulato bem claro; acho que ele se acha branco por nunca ter sofrido racismo, mas eu apostaria que ele já sofreu e não percebeu; mas como ele se autodeclara branco, vou tratá-lo aqui como tal), não tem essa de querer ser preto que nem muita gente por aí, não gosta de samba, detesta qualquer tipo de religião, enfim, é um perfil bem diferente de um militante da questão racial. Mas o cara fala as coisas mais interessantes que já li sobre racismo, porque expõe as ideias criando situações, percebendo muitas daquelas coisas bem sutis e tal. É um cara que realmente conseguiu enxergar a questão. Mas o caso é que ele escreveu um post muito bom intitulado “O Problema do Brasil É a Falta de Conflito Racial”, cuja leitura te recomendo. Entre outras coisas, ele fala aquilo que me parece o ponto da coisa: o conflito racial já existe, mas não é declarada. As mortes de moradores de favela pelo poder público são um exemplo disso. É o conflito com o pobre, mas sobretudo com o negro, na miha opinião. E o Alex diz o seguinte:

    certas situações, deus que me perdoe, só se resolvem com sangue correndo na rua. Aliás, sangue correndo na rua é o que já não falta. A questão é: de quem?

    (Você pode também ler toda a série sobre racismo que ele escreveu no blog. É muito boa, eu li tudo, tenho certeza que você vai gostar.)

    Mas, voltando, eu só acho que não devemos alimentar ou desejar esse conflito, porque isso torna as coisas mais pesadas, e o conflito pode ser maior do que o necessário (passar do político para o violento, por exemplo). Esse foi o meu pé atrás com a ideia de levantar a bandeira da diferença. Me pareceu mais forte do que o necessário. E eu, apesar de ser o próprio “mestiço” (filho de pai branco e mãe negra), não me identifico com a ideologia da miscigenação carnavalizada, mas repito: acho que miscigenação pode ser uma coisa boa, e nós que militamos também não podemos perder essa dimensão da coisa. A miscigenação não é intrinsecamente ruim nem boa; a questão é o que se faz dela. No Brasil, ela acabou se tornando um mecanismo de manutenção do racismo, quando deveria ser o contrário.

    Abração!

  6. 6 Lê do Mucungê 18/01/2010 às 01:21

    Cara, obrigado pelas dicas !!
    meu tempo ta curto aqui, to escrevendo sobre o samba e queria deixar uma resposta aqui .. quando eu terminar de escrever tento postar alguma coisa.

    olha o que você escreveu: ‘A miscigenação não é intrinsecamente ruim nem boa; a questão é o que se faz dela. No Brasil, ela acabou se tornando um mecanismo de manutenção do racismo, quando deveria ser o contrário.’

    Exatamente o ponto cara !
    A miscigenação está mediada por relações de poder que oprimem os Negros e os Indígenas. Então a bandeira da diferença é antes de tudo uma necessidade, porque a partir dela negamos esta narrativa falsa de miscigenação harmonica, carnavalizada como você diz, que é o que impera nas representações e que se transformam em mais opressão para estas duas etnias.

    a minha compreensão do conflito parte da movimentação do racismo. se ele é obscurecido no discurso e ativo na ação, o conflito vai se instalar por estes mesmos meandros, então o conflito não é direto. Se torna direto na Luta por Poder, que é o que estamos conseguindo !

    axé

  7. 7 Daniela 29/01/2010 às 22:44

    eu só queria voltar aqui pra dizer que esse post é brilhante. Os três últimos aliás, foram ótimos. Por que vc não abriu um blog antes? Tá bom demais isso aqui.

  8. 8 Rafael Cesar 30/01/2010 às 05:11

    Ô, Dani, obrigado pelo carinho. Tenho que fazer força pra o blog continuar, porque além de um mestrado, a falta de disciplina acaba comigo – ou melhor, com o blog. Mas comentários como os teus me dão muita energia. Vou continuar; suando, mas vou.

    Um beijo,
    R.

  9. 9 Rafael Cesar 27/02/2010 às 20:10

    Sáo necessárias escolas chamadas Zumbi dos Palmares, Lélia Gonzalez, Heitor dos Prazeres, Beatriz Nascimento, Neuza Santos Souza…

  10. 10 Rafael Cesar 27/02/2010 às 20:15

    Eu quero ver prédios da administração pública em ruas e avenidas chamadas Bombo Njila, Xangô, Iansã, Mutalambô…

  11. 11 Rafael Cesar 27/02/2010 às 20:16

    Tem que haver a Praça dos Quicongos, Travessa dos Quimbundos…


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  2. 2 Por que Jesus pode entrar na escola e Exu não pode? « meu jazz Trackback em 24/01/2010 às 12:33

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