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Manuel Rui e João Melo na UFF

Acho que não deve dar tempo de os três leitores do meu blog verem isto, mas é que foi mesmo confirmado há pouco, bem em cima da hora.

Os escritores angolanos Manuel Rui e João Melo estão no Rio de Janeiro e vão nos brindar com uma passagem pela UFF. Nem sei se a parada é aberta, mas, por ser uma universidade pública, acredito que qualquer um que estiver interessado deve mais é chegar lá e pedir licença pra assistir.

Manuel Rui é um dos mais proeminentes romancistas angolanos, autor do clássico Quem me dera ser onda e do exuberante O manequim e o piano. João Melo é autor, entre outros, de Filhos da pátria, livro de contos editado no Brasil pela Record.

Os dois escritores têm estilos bastante diferentes, e, ao mesmo tempo, muito representativos de seu país. Por isso, pra quem não conhece a literatura angolana mas quer saber um pouco, e pra quem conhece um pouco e quer saber mais, como eu, recomendo dar um pulo lá.

Dia 22 de setembro
Campus do Gragoatá
Faculdade de Letras da UFF
bloco C
sala 218
às 14 horas.

Arlindo chuta o ‘sambinha’ pra lá e deixa a macumba no lugar

Recomendo, com muita alegria, o DVD Arlindo Cruz ao vivo MTV, apesar de já haver alguns meses desde o lançamento. Deixo aqui algumas razões, jogo rápido, do porquê. São elas, claro, que interessam, porque eu não ganho nada anunciando o DVD dele, e ele também não ganharia nada se anunciasse aqui. Mas se você chegar ao fim desse texto, ouve de brinde duas músicas do show gravado em São Paulo.

O Arlindo é um músico que parece fazer tudo direitinho para os seus orixás e ancestrais, porque a carreira dele dá certo-certo, a cada dia mais, e que conseguiu fazer isso de um jeito bastante raro: sem abrir mão das suas convicções do que é o bom samba. Vá lá, é claro, ele faz umas músicas meio chiclete de vez em quando, que agridem o humor dos mais sensíveis, pra vender mais CDs e shows, mas jamais desce ao nível daquilo que deixa de ser samba pra virar aqueles amorfismos sem muita referência, a que chamam por aí de música romântica. Não passa nem perto desse tipo de coisa.

Arlindo Cruz MTV

O cara tem cacife para isso, é certo. Construiu uma história a partir do Fundo de Quintal; fez dupla com o Sombrinha; e depois se lançou em carreira solo, garantindo pra si uma fatia que o mercado prefere reservar para alguns ícones aqui e ali, em vez de expandi-la. São poucos os que conseguem conquistar esse espaço, e os que conseguem é porque têm muito talento. Não é nada fácil gravar um DVD em que fala de macumba, mostra as guias e os santos, toca pontos de umbanda e sambas lá meio traçados num Brasil tão fortemente marcado pelo cristianismo, do neo-pentecostal-carismático-caçador-de-níqueis-intolerante ao católico-não-praticante. Porque o empresariado, conservador do jeito que é, não lança nas rádios grupos de pagode que queiram buscar, como faz Arlindo, as profundas raízes africanas de sua música. Pelo contrário, há sempre um afastamento, uma suavizada na batida, uma perda na ginga, arranjos bem pop (tecladinho, guitarra, tchururu…), e o total veto a temas afins, da religião à culinária. Porque essas coisas de preto não costumam pegar muito bem.

Acho que, hoje, da galera que realmente vende disco pra cacete, só quem consegue botar a banca de não se distanciar tanto, ou mesmo se aproximar das africanidades, são Arlindo, Zeca e Revelação (talvez o Exaltasamba, mas só por causa do Péricles, que às vezes puxa pro lado negro da força).

Essa “desafricanização” a que me refiro não é algo exclusivo dos músicos cujo público maior são pessoas que não frequentaram as universidades ou os melhores bancos escolares, porque o racismo é algo estrutural em nossa sociedade, e se manifesta de diferentes formas, a depender do contexto. E é assim que a nossa classe média ilustrada torce os ouvidos quando toca aquele baticum bolado de roda de samba pegada – e aí prefere o “sambinha”, aquela coisa pouca tipo Casuarina, que tem medo de bater firme no tambor e fazer curva com o som. Ou, então, o choro. Não vou teorizar muito porque conheço quase nada de choro. Mas, todas as vezes em que fui a rodas de choro – cujos músicos, normalmente, mesmo tocando música popular, têm aquele quê erudito que lhes mune de grande técnica e vasto preconceito – me incomodavam aquele pandeiro sem ginga e aqueles cavacos que se recusavam a imprimir ritmo à música, por exemplo. E justamente a uma música que nasceu junto às rodas de samba. Não é que eles sejam obrigados a fazer isso. Mas é só que eu nunca vi, não mesmo. Você já ouviu um choro tocado assim, por exemplo?

Arlindo Cruz, Sombrinha, Almir Guineto, Zeca Pagodinho – Trecho de “Estrela da paz (ao vivo)”

Com essa pegada, é raro, viu?

Só para baixar o nível de revolta que se instaurou nessa casa, gostaria de dizer que não acho ruim o samba assumir outras faces, dialogar com outras tradições. Não é ruim o fato de existirem grupos como Arranco de Varsóvia, que faz um samba com vocalises etc., ou as tantas canções da bossa nova, muito rica enquanto uma variação de samba, com tanta história e bons compositores. O que é duro de aturar é o maior valor artístico atribuído a esses formatos “desafricanizados” de choro ou samba, ou o maior valor mercadológico que se conferem aos sambas “desafricanizados” dos grupos de pagode romântico.

Não discuto aqui se os estilos mencionados são piores ou melhores entre si, ou em comparação aos sambas dos bambas. Mas afirmo sem medo que a postura de agregar valor às suas músicas – dentre outras estratégias estéticas, muitas das quais positivas, certamente – através desse distanciamento de África só faz flagrar que a consciência racista está presente das favelas mais pobres ao eixo Morumbi-Leblon. E, desse ponto de vista, os pagodes com teclado do povão e os sambinhas sem repique de Ipanema, pra mim, vão pro mesmo saco.

(Se você quer saber mais sobre esse assunto, das raízes à sua perda, recomendo o artigo “A presença africana na música popular brasileira”, do Nei Lopes, que trata de tudo com aprofundamento histórico, conhecimento técnico e de causa.)

Por fim – agora vai, quebra tudo, Arlindo!–, vamos ouvir o que acontece quando, numa combinação rara, dificílima no Brasil, um homem negro, sambista, ganha muito dinheiro fazendo o samba como acredita que ele deve ser, e se propõe a colocar em seu samba um bom saxofone soprano, aquele signo de jazz, de choro, do clássico, do mais puro refinamento dos ouvidos delicados.

Arlindo Cruz ao vivo MTV – Ainda é tempo pra ser feliz (sax soprano: Dirceu Leite)

E, por último, o que esse mesmo homem negro, sambista, rico, faz ao usar da grana que tem para mergulhar mais e mais nas suas raízes, produzindo um conjunto completo de samba, com os melhores instrumentos e as melhores referências em termos de tradições do samba – pra tocar samba.

Arlindo Cruz ao vivo MTV – Dora/Samba de Arerê

Porque aqui no meujazz é só sambão, camarada!

Atualização

O termo “eixo Morumbi-Leblon” foi cunhado (ou, ao menos, divulgado) por Idelber Avelar, do saudosíssimo O Biscoito Fino e a Massa.

Oficina de Indicadores Sociais com Ênfase em Relações Raciais

Recomendadíssimo. É produção do Laeser, ou seja, só pela grife já está valendo fazer. Para os que não sabem, este Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais é provavelmente a mais importante instituição voltada à observação da questão racial no Brasil, e coordenada pelo economista Marcelo Paixão, cujo trabalho demonstra as relações entre questão racial, economia, desenvolvimento – e é das coisas mais interessantes e bem fundamentadas que estão produzindo no país em termos de pensamento social. O homem faz jus ao sobrenome (entenda como quiser). O Laeser tem uma série de publicações de alto nível sobre o assunto, sendo a mais robusta delas o recente Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil 2007-2008, que o Nei comentou.

Ah, sim, mas o curso, né? As inscrições estão abertas até o dia 30 de julho. Mais detalhes sobre tudo, .


oquê, caboco!

quando chegar a um milhão, eu fecho o blog.

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